Aguiarense coordena projeto que concretiza sonhos a idosos

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Alexandra Neves, natural de Vila Pouca de Aguiar, é fundadora da Academia de Sonhos, situada no Centro Social Paroquial dos Pousos em Leiria, um projeto social que pretende dar continuidade aos processos de vida dos utentes, concretizando os seus sonhos.

Formalmente a Academia dos Sonhos tem três anos, mas já lá vão oito a concretizar sonhos. Já são mais de 270 os projetos realizados de forma individual e grupal e, para o ano de 2025, preveem mais 15. Contam com um coordenador, cinco voluntários como “Gestores dos Sonhos”, o apoio das diretoras técnicas e animadoras socioculturais, uma enfermeira e mais duas pessoas externas, uma consultora financeira e uma investigadora que mede o impacto das atividades.

Motivação para fundar a Academia dos Sonhos

Alexandra Neves, de 50 anos, nasceu em casa, no centro de Vila Pouca de Aguiar. Acredita que o facto de ter nascido numa vila transmontana “é um privilégio” e que os efeitos da família e da comunidade muito contribuíram para a pessoa que é hoje. “Tive influências culturais e sociais que me ajudaram a que fosse uma mulher que privilegia o bem, e o bem pelos outros, e o trabalho de altruísmo que são influências da família e também da comunidade”.

Saiu de Vila Pouca de Aguiar com 12 anos para ir estudar para o Porto e depois para Vila Real. Mais tarde, a nível académico, licenciou-se em Gestão de Recursos Humanos em Leiria, por onde se manteve até hoje. Admite que nunca perdeu a ligação com a sua terra natal, com vindas aos fins de semana, e ao que ocorre em Vila Pouca de Aguiar.

Em modo de retrospetiva, Alexandra Neves menciona alguns pontos cruciais que influenciaram este lado de cuidado com o próximo: a atividade da mãe como voluntária direcionada aos idosos, durante 22 anos, na Santa Casa da Misericórdia de Vila Pouca de Aguiar que a levou também a ser lá voluntária; o luto delicado devido à morte prematura do seu pai aquando dos seus sete anos; as boas memórias dos tempos de catequese em Vila Pouca de Aguiar e o percurso como catequista; a ida para São Tomé e Príncipe como missionária por três meses em tempos de faculdade na área da pediatria e asilo com idosos; e até a sua licenciatura em Gestão de Recursos Humanos.

“Descubro que gosto muito da área do envelhecimento só a partir dos 30 anos” 

Após esta aspiração, e paralelamente à sua atual profissão, onde é responsável por um programa de financiamento da comunidade europeia, Alexandra Neves inicia estudos com pós-graduações e mestrados na área da gerontologia e envelhecimento ativo, estando atualmente a fazer um doutoramento em Salamanca na área do idadismo que é o “preconceito pela idade”. A aguiarense explica ao Notícias de Aguiar que a “terceira e quarta idade têm muitos processos de perda, tanto a nível físico, cognitivo, social como também atribuído a múltiplas doenças.” É desta forma que tudo começa a afluir até ao projeto da Academia dos Sonhos.

“Para crianças já são implementadas atividades, para os idosos é outra questão”

Alexandra Neves foi convidada para fazer parte da direção do Centro Social Paroquial dos Pousos (CSPP) e, quando integra a direção, um dos temas assignados à sua responsabilidade são precisamente as atividades das crianças (cerca de 130) e dos idosos (aproximadamente 110).

Quando se deparou com esta função, Alexandra Neves concluiu que “para as crianças há uma série de oportunidades que já existem tanto através do Ministério da Educação, como iniciativas da própria comunidade e é mais fácil de estar atenuado o seu percurso. Nos idosos e nos idosos institucionalizados, muda a situação”. Fazendo a ponte com a sua tese de mestrado com o tema “Antes De Morrer Eu Quero”, uma das preocupações da nova integrante da direção era que “os idosos quando eram institucionalizados, o seu percurso e projeto de vida tinha de continuar e não podia parar por causa dessa situação e, por curiosidade, começo a questionar às pessoas o que queriam fazer antes de morrer”.

“Fomos realizando uma série de situações dos idosos e isto começa a contagiar”

O objetivo, diz a aguiarense, era que “o projeto de vida de cada pessoa, mesmo institucionalizada, tenha investimento: pelo próprio porque reflete sobre o que ainda tem para resolver na sua vida, e pela instituição que verifica se tem hipótese de colaborar”. De modo informal e em equipa com a direção do CSPP e com as diretoras técnicas, “fomos realizando uma série de situações dos idosos e isto começa a contagiar (…) e foi um processo rápido porque apaixona”.

Começaram então a inserir os “sonhos” dos utentes no plano de atividades da instituição que “começa a ser mais dinâmica do que no seu passado”. É na altura do COVID, com todas as medidas de segurança necessárias asseguradas, que a Academia dos Sonhos se começa a firmar dado que o Centro Social manteve as suas atividades de forma a que a solidão não chegasse aos utentes.

“São sempre os idosos que nos inspiram”

Numa dessas atividades, denominada “À Conversa Com”, perguntavam aos idosos quem gostariam que fosse à instituição para ser entrevistado por eles, já que “são sempre os idosos que nos inspiram”, salienta Alexandra Neves. Após a ida do Vigário Geral, representante do Bispo, uma utente deixa a sugestão: “agora falta o Papa”. Uma vez que estaria para vir nas Jornadas da Juventude, segundo a idosa, a ideia seria que o Papa “no seu helicóptero, baixasse um pouco por cima da instituição, e nós dizemos adeus cá de baixo”.

Surgiu assim a ideia de escrever uma carta ao Papa, redigida pelos próprios utentes, em que se faziam de convidados para ir à sua casa para celebrarem a vida e beber um copo de vinho que levariam caso fosse necessário. “Com uma expetativa de zero”, comenta Alexandra Neves, três semanas depois recebem uma resposta onde constava um convite para irem até Roma e serem recebidos pelo Papa. Com sentimentos contraditórios, primeiro a felicidade e depois a preocupação financeira por se tratar de uma IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social), começam a trabalhar com “empresas, associações e vendas de produtos para angariar dinheiro para levar 12 idosos em cadeiras de rodas e 13 cuidadores”, viagem essa que acabou por se concretizar.

É no ano de 2022, em plena Praça de São Pedro em Itália, com os 12 idosos e 13 cuidadores, que a Academia dos Sonhos surge formalmente. A fundadora do projeto explica que esta ida a Roma teve repercussões muito além do esperado, uma vez que a maior parte dos envolvidos nunca tinha estado alojado num hotel, andado de avião, ou saído do país, realizando-se a concretização de vários sonhos.

Após este evento marcante, submeteram candidaturas a fundos de apoio e acabam por ser contemplados por duas vezes e o projeto dá “um salto gigante”, conseguindo estrutura financeira à parte da instituição para o propósito da Academia.

Sonhos Reais, Sonhos Virtuais e Sonhos de Mestre

A Academia dos Sonhos, diz Alexandra Neves, tem dois objetivos: “fazer o bem às pessoas e marcar, para que tenham uma boa morte e, para quem fique, que fique com processos de luto normais e naturais”, rematando ainda ao afirmar que o “projeto tem de ser sustentável”.

Os Sonhos Reais, que podem ser individuais ou grupais, são desejos que as pessoas “desejam fazer porque não tiveram oportunidade, a vida não proporcionou ou porque têm curiosidade e são multi-temas”.

Os Sonhos Virtuais utilizam óculos com realidade virtual a 360º e são direcionados a pessoas acamadas e que também são utilizados fora do CSPP em contexto hospitalar nos cuidados paliativos. Têm 50 experiências diferentes, mas há três que se destacam. Fátima, com a procissão das velas, por exemplo, em que as pessoas podem cumprir promessas que não conseguiram, ou até uma reconciliação ou despedida; Praias, porque estando numa zona do Oeste em Leiria, a praia fez parte da vida de muitas das pessoas; Música, incluindo concertos, bailes e filarmónicas que têm a ver culturalmente com as terras. Os Sonhos Virtuais são também uma experiência sensorial uma vez que, no caso do tema da praia, está também incluída areia, protetor solar, borrifos de água, gelados e até tremoços. O Hospital de Vila Real já contactou a Academia dos Sonhos no sentido de levarem os Sonhos Virtuais até aos seus utentes nos cuidados paliativos.

Através de um protocolo com o Instituto Politécnico de Leiria, “os idosos dão aulas na universidade” que se traduzem nos Sonhos de Mestre, com uma grande partilha de conhecimento. “Sempre que o tema é envelhecimento, longevidade ou protótipos para as engenharias fazerem equipamentos para os idosos, os nossos idosos lá estão”, elucida Alexandra Neves, referindo ainda que acabam por trabalhar a parte social com a intergeracionalidade, o idadismo e a estimulação cognitiva.

Além destas três vertentes, a Academia dos Sonhos tem ainda os chamados “complementos”. A fundadora do projeto explica que têm uma universidade dentro do CSPP, há cinco anos, onde “os alunos institucionalizados são alunos ou professores, juntamente com idosos da comunidade”, dando o exemplo de uma utente que era professora de inglês e leciona inglês, mas também é aluna de outras duas disciplinas. Neste campo, diz Alexandra Neves, acabam por trabalhar o “preconceito pela idade, principalmente pelos idosos da comunidade, que estão na fase exatamente anterior, que tinham alguns preconceitos, e está a ser trabalhado com sucesso”, referindo que no início da universidade não tinham alunos externos por ser dentro do lar e hoje em dia já têm.

Um outro “complemento” é chamado de “Entre Linhas” e é praticado por 13 voluntárias que leem “contos infantis sem infantilizar, à cabeceira das pessoas mais debilitadas” e proporcionam massagens de toque de afeto que são efetuadas com óleo de amêndoas doces.

Já a “Sopa do Luto”, em parceria com a Paróquia dos Pousos, tem como função a confeção de sopa, por um grupo de voluntárias, que é entregue junto das famílias enlutadas, aquando do falecimento de um familiar. Contam ainda com outros “complementos” como a Prescrição Social, a “Cão Terapia” e ainda com três professores catedráticos de matemática que ajudam na ginástica cerebral.

 “Também tratamos da felicidade dos nossos colaboradores”

“Cuidar bem dos cuidadores” é uma prioridade da Academia dos Sonhos. “Se cuidarmos bem destas pessoas, despreocupamo-nos se os idosos e as crianças estão a ser bem cuidados porque estão a ser de certeza”. Nesta linha, Alexandra Neves refere o “salário emocional” que é agregado ao salário do vencimento dos colaboradores com um “impacto muito interessante”, onde também realizam sonhos dos funcionários, quer em acompanhamento dos idosos, como em ações individuais, porque também respondem à pergunta “Antes De Morrer Eu Quero”.

“Na Academia dos Sonhos não é só de sonhos que se fala, mas sim viver o máximo, com o máximo de bem-estar”

Alexandra Neves confessa que gostava de ver a Academia dos Sonhos replicada “no mundo inteiro” e, para tal, explica que a equipa tem a pré-disposição necessária de capacitar os que estiverem interessados. Apela ainda à sustentabilidade do projeto, através da responsabilidade social das empresas e da filantropia de impacto. Contudo, a ideia é que as empresas “não deem donativos, mas que invistam em nós”.

Em modo de conclusão, à pergunta “A Academia dos Sonhos era um sonho da Alexandra?”, a fundadora do projeto respondeu: “Não era inicialmente um sonho, mas acabou por se tornar um sonho de equipa e um desejo de fazer parte da minha vida”.

Ângela Vermelho

Fotos: CSPP

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